domingo, 1 de junho de 2008

Anamar

Anamar olha-se no espelho. Saúda aquela estranha à sua frente e pergunta-lhe quem é, o que faz, de onde veio, tudo...Mas ela não lhe responde, apenas mexe os lábios conforme Anamar fala, em simultâneao com ela.
-"Não entendo!"
Branca de pânico Anamar grita cada vez mais alto...Não entende e ninguém lhe responde. Nunca ninguém lhe explicou que isto ia doer tanto, magoá-la até às lágrimas. Mais do que a dor que sente é a dor de não saber, de não haver uma alma que a tivesse feito entender, que a preparasse.
Anamar chora e chora também aquela figura feia e fragmentada no espelho agora ligeiramente quebrado pelos pulsos de Anamar. Cada lágrima que sai do seu rosto é uma dúvida, é uma gota de questões envolta em ódio, confusão, tristeza. E ela não sabe. E quanto mais odeia menos sabe, menos conhece. Odeia e não conhece aquela figura estúpida, de braços caídos, calções de ganga e camisa encarnada que se baba e se assoa com as costas da mão esquerda, à sua frente. Não conhece e odeia aquelas paredes cor-de-rosa cheias de quadros de cortiça carregados de fotografias de milhares de gente que já não conhece também. Não conhece e odeia aquele volume estranho que cresceu num repente por baixo da blusa na zona do peito. Não conhece e odeia aquele fio de sangue vermelho que lhe correu hoje pelas pernas pela primeira vez enquanto estava na escola (-"Meu Deus que vergonha!). Anamar não entende e não sabe o que há-de fazer a seguir. Não sabe com quem há-de falar ou sequer se lhe apetece falar. Apetecia-lhe antes um abraço, um gelado de nata...Mas não há ninguém à sua volta e a ninguém pode pedir nem uma coisa nem outra. Também não lhe apetece sair para ir procurar alguém disposto a isso e portanto esquece. No entanto os olhos não parecem querer parar de chorar e a sua boca não aceita o silêncio e então GRITA. Grita como uma louca e aquele ódio cego faz-lhe estalar a cabeça. Não importa, já nada importa...
E atira o corpo inanimado contra o espelho desfazendo-o em pequenos estilhaços que se espalham pelo chão do quarto e se misturam com o sangue morno que sai dos seus pulsos, do seu peito, das suas pernas, da sua cabeça...

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