As ondas vêm, vão, tornam a vir, tornam a voltar e, nem que seja por uma gota de espuma diferente, o que é certo é que nunca são as mesmas. Tocam nos meus pés descalços, de fugida, apagam as minhas pegadas na areia, revolvem os pedaços partidos de conchas, seixos e rochas e regressam, como que amedrontadas pela visão aterradora do mundo dos homens, ao leito do grande Pai Oceano, azul e gélido.
Brancas, gordas e violentas ao bater na areia em jeito de castigo por esta atrapalhar a nobilíssima marcha azul e espumosa do mar conquistador: as ondas!
As ondas que vêm num segundo e no outro...já se foram...para sempre. São as ondas que chamam e sempre chamaram os homens ao mar. Ao de leve, se eles as queriam ouvir e não era necessário muito para os convencer a perderem-se na imensidão ou com força, agredindo estrondosamente a areia e os penhascos rochosos se eles estavam de costas ou se fingiam surdos ao apelo. De qualquer modo, chamaram-nos sempre. Mesmo com todo o mal que poderíamos representar para ele, o mar chama-nos, canta e dança para nós num avançar e recuar harmónico e poderoso feito de espuma e de caracóis frescos de água salgada. E volto a seguir o mesmo percurso nesta língua de areia que se contorce e deforma à minha passagem. Baixo-me, atraída pelo azul prateado provocado pelo brilho do sol na concha de um mexilhão e, de súbito, uma vaga de águal salgada que arde e se cola às pernas nos resquícios de espuma, empurra-me, agride-me como que a lembrar-me que o que toco não me pertence, que violo terreno sagrado e que nada do que é do mar, dele pode ser roubado. Aspiro o ar e cola-se-me à boca e às narinas o cheiro e o sabor de um oceano imerso na luz do sol, permitindo-se a ele próprio um descanso preguiçoso depois do árduo trabalho de Inverno.
Fecho os olhos e ouço mil sons. Ouço crianças a correr para a água sem qualquer tom de desafio mas antes de respeito imperial e solene que só lhes é permitido ainda pela ingenuidade, pela inocência de reconhecerem no mar, no oceano, um senhor, um soberano que guarda segredos poderosos e fantásticos. Correm para a água dando gritinhos de alegria e excitação pelo facto de esse rei tão magnífico lhes dar a possibilidade de entrar no seu reino mágico pé ante pé na rebentação das ondas e admiram-se muito dos "grandes" já não terem medo do mar e de acharem todos os seus segredos demasiado óbvios.
Ouço uma gaivota a voar e a gritar, feliz porque hoje não tem de estar em terra e pode gozar plenamente o espectáculo precioso que é o mar de prata deitado, manso sob o sol quente.
Ouço o marulhar das ondas e o sussurrar do vento a chamarem-me e a revolverem também o meu íntimo.
Ouço o som do meu coração a bater ao ritmo da onda que vem e vai e sinto que sou livre, que pertenço, tal como as conchas, os seixos e as rochas, a esse mar azul e salgado e que fez de mim mais um grão de areia a rolar na espuma...